terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Metade


Que a força do medo que tenho não me impeça ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca

Porque metade de mim é o que eu grito

Mais a outra metade é silêncio

Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza

Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante

Porque metade de mim é partida

Mais a outra metade é saudade

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor

Apenas respeitadas

Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos

Porque metade de mim é o que eu ouço

Mais a outra metade é o que calo

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço

E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada

Porque metade de mim é o que penso

Mais a outra metade é um vulcão

Que o medo da solidão se afaste

E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância

Porque metade de mim é a lembrança do que fui

A outra metade eu não sei

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais

Porque metade de mim é abrigo

Mais a outra metade é cansaço

Que a arte nos aponte uma resposta mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar

Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer

Porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção

E que a minha loucura seja perdoada

Porque metade de mim é amor

E a outra metade também
Oswaldo Montenegro